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Análise de Kane's Tone, um cenário de Call of Cthulhu



Sentas-te entre as árvores, deitado sobre macias agulhas de pinheiro.

As tuas roupas estão rasgadas, as tuas mãos estão arranhadas. Estás com dores. Não sabes como chegaste aqui. E não sabes quem és.


Há uma luz amarela fraca e pulsante no topo da colina, nas proximidades.


Algo está muito errado.


Conseguirás descobrir o que aconteceu a tempo de evitar o que está para vir?


Eis o mote de Kane’s Tone, o novo cenário para Call of Cthulhu, da autoria de Orlando Moreira, que já devem conhecer (e muito bem) do cenário Bad Tidings.


Enquanto premissa, promete algo que o separa do seu antecessor. As personagens não têm ideia de quem são, do que estão ali a fazer nem da origem dos seus ferimentos. Sabem apenas que algo estranho está a acontecer e que há uma luz amarela pulsante no topo da montanha.


Isto prepara-nos para um cenário mais linear, mas com tudo aquilo que se pretende numa aventura de Call of Cthulhu: intriga, mistério, cultos e estranhos rituais, a certeza de que há algo mais no universo para além da nossa insignificância enquanto mortais.


Algo que distingue o cenário dos demais é o facto de ser uma história contemporânea. Temos automóveis modernos, smartphones e mais algumas surpresas pelo meio.


Esta nova roupagem abre as portas para especulação de como seria o horror lovecraftiano nos nossos dias.


Jogabilidade


Em termos de jogabilidade, há algo que merece destaque. Amnésia em jogos é algo sempre difícil de gerir. O facto de haver uma tendência de cair tudo nas mãos do Mestre de Jogo pode tornar a experiência anti-climática, mas, nas mãos certas, consegue ir mais além e criar a tensão adequada para garantir que os jogadores questionem o que se está a passar e quem as suas personagens realmente são. É precisamente neste último ponto que Kane’s Tone brilha.


O cenário inclui quatro personagens pré-feitas, cada uma com a sua própria personalidade e as suas ambições. Para além disto, cada uma delas tem uma série de pontos-chave que, ao serem desbloqueados no decorrer da aventura, revelam mais informações, aproximando cada vez mais os jogadores da verdade. Contudo, há sempre margens para interpretação e nem tudo o que parece realmente é.


Linearidade vs Sandbox


Em termos de cenário, e como já referido, trata-se de algo linear. Estamos a falar de uma floresta, um jardim, uma casa e um parque de estacionamento. Não há grande espaço de manobra para explorações, interagir com o resto do mundo e até mesmo falar com outras pessoas para além dos jogadores. Algo de muito estranho aconteceu, e esta limitação nas interacções ajuda a criar momentos graduais de tensão.


Apesar dos espaços limitados, não deixa de haver grande atenção ao detalhe. O cenário descreve o que se encontra no jardim, em cada divisão da casa e em cada carro. Claro que há sempre margem para liberdade criativa, mas o cenário faz um excelente trabalho ao responder a quaisquer questões sobre o que existe ou deixa de existir. Para além disto, é bastante simpático no que toca a dar ao Mestre de Jogo as ferramentas para contar esta história como ela foi planeada.


Há um sentido de urgência, de que algo de muito horrível está para acontecer e este é o fio condutor da narrativa do princípio ao fim. 


Considerações finais


Como um todo, Kane’s Tone permite one-shots intensas, não deixando qualquer fã de Call of Cthulhu indiferente ao chamamento. Há inclusive referências a como integrar este cenário numa campanha já existente, bem como o que fazer caso se pretenda passar a acção para uma outra época mais tradicionalmente associada a sessões de Call of Cthulhu.


De forma resumida, Kane’s Tone surge como uma nova aventura com vários trunfos na manga. Mostra também que não é necessário reinventar a roda para criar algo capaz de prender os participantes à acção.


Trata-se de uma nova aventura que o mais devoto fã deste género de jogos narrativos deve ter na sua colecção.


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